Quinta, 27 Agosto 2020 10:08

24/09/2020 - Hibisco Roxo de Chimamanda Ngozi Adichie

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HibiscoRoxo

 

PARTICIPANTES:  Vivianne Veras;  Iza Antunes; Adelaide Côrtes; Patrícia

RESENHA:

O livro conta a história do desmoronamento de uma família nigeriana de posses, extremamente religiosa, que fora estruturada com base no controle, na violência e no abuso do pai, Eugene. Ela é contada sob o ponto de vista da filha mais nova de 14 anos, Kambili, que nos mostra essa manipulação familiar, que se estendia até a comunidade ao seu redor, tendo em vista que o pai era um empresário rico e detinha um grande poder econômico sobre a localidade. Kambili enxerga o mundo da forma limitada devido regime ao qual foi submetida pelo pai, mas mesmo assim consegue captar algumas informações aqui e ali e perceber, em pequenos detalhes do dia a dia, coisas estranhas que a incomodavam, já que muito pouco obtém da mãe e apenas uma pequena dose de Jaja, seu irmão. Nada é discutido na casa ou contestado, que não seja predeterminado pelo pai, que via a família como um objeto. Contudo, após conseguirem passar alguns dias na casa da tia Ifeona, irmã do pai, algo muda para sempre nos jovens irmãos. O silêncio é rompido e uma brecha do véu que os encobria, separando-os da realidade do mundo em que viviam se abre e mudanças dramáticas acontecem.

“Em Nuska começou a romper o silêncio. A rebeldia de jaja era como os hibiscos roxos experimentais de tia Ifeona: raros, como cheiro de liberdade, uma liberdade diferente daquela que a multidão, brandindo folhas verdes, pediu na Government Square após o golpe. Liberdade para ser, para fazer.”

O romance mistura ficção com realidade, não tanto autobiográfica, mas de pessoas e da vida diária da autora que é nigeriana. Mostra a complexidade de uma sociedade que no passado foi dominada e vilipendiada por colonizadores, e hoje vive ainda conflitos internos como resultado de diversos golpes militares pelo poder, em meio a uma desmedida corrupção.

A autora deve ter presenciado muitos acontecimentos retratados no livro, talvez por isso tenha conseguido colocar tanta vida nele e nos remete a um mundo desconhecido que é a Nigéria e a África com um todo. Ela parece fazer um paralelo entre a dominação familiar que sofre a protagonista com a dominação do seu próprio país, que começou com os portugueses e depois passou para os britânicos e só tendo sua independência em 1960. O texto coloca de forma forte e realista o mal que a imposição cultural dos colonizadores faz a um país e a sua cultura, tal como o mal que o pai fez para sua família, principalmente os seus filhos. As expressões culturais são taxadas como de segunda categoria e primitivas; a religião natural é desrespeitada; toda a leitura é substituída pela estrangeira, a começar pela definição da língua inglesa como língua oficial. Toda essa agressão à cultura e aos costumes são repetidas no ambiente da família, e o pai faz questão de separar os filhos de todo o convívio com a vida nigeriana, que é representada pelo avô que nunca trocou seus valores pelos estrangeiros.

Outra crítica que faz é sobre o papel da religião. Como missionários religiosos, cristãos em especial, se instalaram na África. Vêe com a intenção de ajudar esse povo pobre e supersticioso por meio da catequização mais que em realidade impõe sua religião em detrimento às crenças locais. A forma agressiva dessa internalização é replicada na imposição do pai à mulher, aos filhos e à sua comunidade (as pessoas o seguem mais pelo poder econômico que o pai exerce do que pela fé em si). Seja na forma de colonização, seja na conversão religiosa, vemos o perigo da visão única da realidade sendo imposta.

Mas há uma resistência, sempre haverá. O avô e a irmã, Ifeona, não concordam com a forma de vida da família e por isso foi banida por Eugene. O convívio com eles é extremamente restrito. Mas é com esses personagens que temos acesso a real cultura nigeriana: festas religiosas, alimentação típica, suas crenças e rezas. Ifeona se converte ao cristianismo, mas mesmo assim não corta a sua ligação com a cultura e crenças do seu país, o que demostra como é possível a convivência do que é de fora com o que é local. Ela consegue ter várias visões. Esta opção nunca foi cogitada por Eugene, do mesmo modo como não foi pelos colonizadores.

Outro destaque é de como as crianças são facilmente influenciadas e até doutrinadas pelos pais. A família era totalmente limitada pela religião e controlada por padrões de perfeição. A família de Ifeona, por outro lado teve acesso à modernidade estrangeira, mas com valores africanos fortes e criados com liberdade de escolha. Enquanto Eugene só tinha uma visão do mundo, a da irmã estava aberta para o mundo. A religião para ela era apenas uma forma de expressão da fé, ao passo que para o pai era usada para encobrir sua personalidade cruel, até um pouco sociopata, tal como fizeram os missionários que o educaram.

O livro é brilhante em demonstrar o choque cultural que viveu a Nigéria e outros países africanos, e o choque de Kambilli, que venerava o pai, sua única fonte de informação do mundo perante a realidade (para a qual ela sempre esteve aberta, em seu subconsciente). Apesar do quão cruelmente os colonizadores se impuseram sobre a cultura desse país, quase aniquilando-a, este tenta se reerguer, mesmo que com dificuldade. Assim também deve fazer Kambili. Recomendamos fortemente para quem quer ter outra visão da África.

 

Ler 3535 vezes Última modificação em Terça, 10 Novembro 2020 10:11